O Globo, Ciência, pág.22, em 11/04/2009.
O mistério do Alhambra
Após séculos, inscrições de palácio na Espanha são decifradas
Elizabeth Nash Do Independent
Os visitantes que há séculos maravilham-se com o palácio-for tificado de Alhambra, em Granada, na Espanha, têm também se intrigado com as intrincadas inscrições nas paredes medievais, especulando o significado das palavras em árabe clássico que adornam o palácio, do piso ao teto. As inscrições que serpenteiam por arcos e colunas são tão estilizadas que frequentemente é difícil distinguir palavras de imagens, e poucos podem decifrar o árabe clássico no qual elas foram escritas.
Paredes que são um livro de poesia
Mas agora as inscrições finalmente foram traduzidas, respondendo à dúvida que tem deixado perplexas gerações que visitam a joia europeia da arquitetura muçulmana: “O que dizem essas paredes?” Pesquisadores produziram um DVD interativo que decodifica, data e identifica 3.116 das cerca de 10 mil inscrições deixadas no palácio do século XIV, que simboliza os séculos de domínio muçulmano na Espanha e hoje é uma das maiores atrações turísticas do país.
— Talvez não exista nenhum outro lugar no mundo onde observar paredes, colunas e fontes seja como folhear um livro de poemas — disse Juan Castilla, da Escola de Estudos Árabes, ligada ao Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha.
A equipe de Castilla é autora do guia em DVD, ainda incompleto.
Artesãos árabes, supervisionados por poetas contratados pela corte do rei Yusuf I, do século XIV, transformaram os versos em desenhos decorativos. Mas o que dizem as paredes? — Não dizem tanto quanto pensávamos.
Há menos palavras do que tínhamos calculado — reconheceu Castilla.
As inscrições poéticas e os versos do Alcorão que têm inspirado gerações representam apenas um percentual mínimo dos textos que adornam as paredes do Alhambra, a despeito da crença equivocada de que esse tipo de conteúdo predominava, explicou Castilla durante a apresentação do estudo do Alhambra, realizada no início deste mês, em Madri.
Na verdade, o lema da dinastia Nazari “Só Alá é vitorioso” é repetido centenas de vezes nas paredes, arcos e colunas. Palavras isoladas como “felicidade” e “bênção” são recorrentes, interpretadas como expressões divinas para proteger o rei ou governador. Aforismos são comuns: “Regozije-se na boa fortuna, pois Alá o auxiliou” e “seja econômico nas palavras e você ficará em paz” estão entre os mais frequentes.
Os pesquisadores trabalharam sobre estudos iniciados há cerca de 500 anos pelos vencedores da dinastia Nazari, que comandava o reino de Al Andalus. Os reis católicos Fernando e Isabel expulsaram os muçulmanos da Espanha em 1492 mas ficaram tão curiosos sobre o patrimônio deixado pelos inimigos derrotados que deram ordem a seus sábios de traduzir e estudar as inscrições que cobriam cada canto do palácio de Alhambra.
Descrições de jardins e do paraíso
Por séculos, eruditos debruçaramse sobre as inscrições, tentando compreender as mensagens deixadas em telhas e azulejos absolutamente simétricos ou finamente esculpidas em rocha. Entre os textos conhecidos estão versos dos aclamados poetas islâmicos Ibn al-Khatib e Ibn Zamrak, alguns dos quais descrevem os lugares onde aparecem, tal como a Sala das Duas Irmãs: “Não conhecemos nenhum outro jardim mais agradável em frescor, mais perfumado ou com frutas mais doces”, escreveu Ibn Zamrak.
O teto representa o paraíso: “As mãos das Plêiades passarão as noite invocando a proteção de Deus.
Elas serão acordadas pelo sopro gentil da brisa. Aqui há uma cúpula que de tão alta se perde de vista”, escreveu o poeta.
Até agora, porém, os esforços para traduzir tais versos representaram apenas uma ínfima fração de todo o material. Mas com tecnologia moderna, incluindo um scanner tridimensional a laser, foi possível avançar muito mais.
— É um trabalho exaustivo, queremos registrar todas inscrições — afirmou Castilla.
Mas, graças a esse trabalho, qualquer pessoa, de um especialista a um mero curioso, poderá com um toque do mouse descobrir o significado exato das antigas palavras, ver exatamente onde elas estão localizadas e o quanto foram repetidas nas paredes do Alhambra.
A forma da inscrição também está sendo registrada. Numa cultura em que imagens humanas são proibidas, a forma da caligrafia era pensada para exaltar governantes e o próprio Alá.
O guia sobre o Alhambra deve ser concluído somente no início de 2010.